Lawtech cresce usando inteligência artificial para orientar estratégia jurídica de empresas

A Justiça brasileira tinha, ao final de 2016, um total de 79,7 milhões de processos em tramitação. O número é o último disponibilizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e provavelmente não reflete a realidade de hoje. Considerando que houve crescimento no total de processos em todos os anos desde 2009, o provável é que o número atual seja ainda maior.

Esse grande volume de ações é distribuído para juízes, desembargadores e ministros do Brasil inteiro — cada um julgou, em média, 1,7 mil processos em 2016. E não é novidade que, para além do mérito da ação, diferentes interpretações fazem com que a mesma ação possa ter resultados distintos nas mãos de magistrados diferentes. Como, então, saber qual a melhor estratégia para ganhar uma ação?

Foi para ajudar empresas com um alto volume de ações judiciais que o advogado e empreendedor Felipe Alvarez lançou, há dois anos, a startup Enlighten. Ele criou uma inteligência artificial que usa uma base de dados judiciais, para sugerir a chance de sucesso que uma ação pode ter em determinada corte.

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Desenvolvido utilizando o Watson, da IBM, o robô foi batizado de Kelsen em homenagem ao jurista austríaco Hans Kelsen, considerado um dos pais do positivismo jurídico moderno. Ele usa machine learning para compreender como diferenças de teses e interpretações mudam as decisões judiciais dependendo de onde ela é julgada.

“Ele é capaz de identificar as teses vencedoras, a jurisprudência que está vigorando. Em poucos segundos, diz que, usando determinado argumento, a chance de vitória na ação é de X por cento. Se usar determinada tese, muda para Y”, afirma Alvarez. “O objetivo final é dar ao advogado uma condição mais assertiva para orientar seus clientes ou sua própria atuação”, diz o CEO, que investiu cerca de R$ 250 mil na criação da startup.

Uma empresa que utiliza o Kelsen e pediu para não ser identificada afirma que o uso do robô ajudou a direcionar a estratégia utilizada em ações que são corriqueiras no departamento jurídico da companhia — na casa das centenas por ano —, e muitas vezes resultavam em derrota.

“A gente passa a trabalhar com algo muito mais concreto e com pouco achismo. Se tenho um advogado que costuma trabalhar em tribunais de São Paulo, mas vai precisar atuar em certa ação em Minas, ele precisa saber que o tribunal ali costuma decidir de forma diferente. Com a ajuda do robô, podemos redefinir a argumentação, redesenhar a tese usada”, diz.

Em outro caso, o CEO da Enlighten afirma que, num contingente de 480 ações trabalhistas que um de seus clientes enfrentava pelo mesmo tipo de reclamação, entender a fundamentação do juiz por meio da inteligência artificial fez a companhia optar por acordos e reduzir o número dos processos para 180.

Uso livre para advogados

Hoje apenas com clientes empresariais, a Enlighten irá em breve disponibilizar o Kelsen para advogados com todos tipos de clientes. Pelo serviço, cobrará uma mensalidade entre R$ 200 e R$ 300.

Outra novidade que estará disponível para contratação (com outra mensalidade à parte) é o Peticionator — esse batizado em homenagem ao Terminator, nome original da franquia Exterminador do Futuro —, que servirá para a elaboração de petições judiciais padronizadas, com base nas estratégias sugeridas pelo Kelsen.

“O robô sugere um procedimento, mas ele não consegue garantir que o advogado vai seguir a recomendação. O Peticionator vai permitir que os escritórios “travem” a redação da parte mais técnica das petições, enquanto o advogado preenche a parte factual, específica daquela ação”, afirma Alvarez.

Com isso, a Enlighten espera elevar sua receita mensal atual, que segundo o CEO está na casa dos R$ 80 mil, para algo próximo de R$ 400 mil. E tornar mais fácil a vida de quem lida com muitos processos ao mesmo tempo.

“O advogado geralmente leva mais tempo na análise. Já uma solução automatizada não exclui a atuação dele, mas torna mais fácil saber o que fazer”, diz um cliente da startup.

Fonte: Época (Foto: PIXABAY)